‘BBB 21’ cultua falsos heróis, vê racismo onde não existe e premia geração vitimista
Por um simples comentário sobre o cabelo do colega João, o participante Rodolffo está sendo massacrado, perseguido e correndo risco de ser condenado por um crime que não cometeu
No “BBB 21”, João, um rapaz negro, se sentiu ofendido por um comentário de Rodolffo. O cantor sertanejo disse que o cabelo do colega se assemelha a uma peruca da fantasia de um homem pré-histórico. João se sentiu ofendido e disse que não queria ouvir explicação alguma, que o comentário ofendia sua condição étnica. Basicamente, que ofendia toda uma raça, uma cor de pele, um tipo de cabelo, uma condição humana. O discurso da maior parte da mídia seguiu o fluxo da ofensa subjetiva: Rodolffo não quis, mas foi racista por seu comentário que comparava um cabelo grande e desalinhado ao cabelo de João, que também é grande e desalinhado. Por esta comparação, o goiano foi massacrado nas redes sociais e está às portas da Justiça sob acusação de um crime grave como racismo. Sem intenção, ele é visto intencionalmente por todos como um criminoso não intencional. Faz sentido? Para o vitimismo identitário, faz.
Numa comparação banal, um rapaz compara o cabelo black power de João ao de uma peruca de uma fantasia. Foi o estopim para um discurso racialista de João, que desfiou toda uma narrativa de ódio e preconceito históricos sofridos por sua etnia. Discurso este corroborado por Tiago Leifert. Um símbolo de uma luta contra o racismo foi o cabelo black power, nos Estados Unidos. O Brasil pouco tem a ver com esta tradição. Num país que tem metade da população mestiça e racismo episódico — e nunca impôs uma política de segregação política oficial —, o símbolo do cabelo black power foi trazido à tona pelo apresentador que, com toda delicadeza, traduziu um princípio de ”racismo estrutural, não intencional” de Rodolffo. O sertanejo teria desdenhado do símbolo racialista do cabelo de João sem ter a menor ideia do que se tratava. Sem ainda saber do que se trata, Rodolffo está sendo visto como racista não intencional e intimado a prestar esclarecimento na delegacia. Por seu racismo não intencional, seu crime sem intenção. Faz sentido? Para o vitimismo identitário, faz.
O “BBB”, há alguns anos, se tornou palco de lutas identitárias. Gays, mulheres, feministas, militantes e negros dão ampla voz à luta contra preconceitos. Curiosamente, nunca havia acontecido um único ato racista na história do programa. Nenhum. Lumena e Karol Conká, desta 21ª edição do reality, militantes antirracistas, inauguraram os primeiros atos racistas do reality. Sob pretexto de combate ao preconceito, agrediram, massacraram, ofenderam e insultaram pessoas não negras. Saíram escorraçadas pelo público. Canceladoras natas, oriundas do vitimismo identitário, foram recebidas com tapete de ouro, complacência e generosidade pela Globo e toda a mídia. Quase nenhuma crítica acerca de seus comportamentos. Pareceria um ato de generosidade, compreensão e perdão a ser seguido. Por contraste, Rodolffo saiu como alguém que deve ser reeducado, reorientado em seu modo de falar e se dirigir às pessoas. Qualquer comentário sobre cabelo ou qualquer parte do corpo de alguém deveria ser taxativamente proibido. Qualquer ironia sobre a estética de alguém, taxativamente autocensurada. Qualquer gracejo ou humor deve ser ponderado pra ver se não ofende a sensibilidade de alguém. Alguém, leia-se, que esteja entre grupos historicamente oprimidos, como negros, mulheres, gays. O cancelamento de alguém se dá hoje por sua condição de suposto privilégio: se a pessoa nasce branca, heterossexual, homem, como disse Fiuk, outro participante deste “BBB 21”, já nasce opressora. Rodolffo está sentindo isto na pele.
A narrativa do vitimismo identitário foi quase cancelada pela presença das canceladoras profissionais Karol Conká e Lumena. Essas moças foram a tradução viva da tradição de cancelamento de uma política identitária que trata certos grupos como ofendidos preferenciais, que trata outros grupos como opressores profissionais. Uma dicotomia obviamente falsa e perversa, alicerçada e apoiada pela gigantesca maior parte da mídia e intelectualidade mundial. E, sobretudo, por grandes empresas que lucram com esses supostos bons sentimentos de justiça e reparação histórica a grupos discriminados. Grandes empresas que forçam um discurso de influenciadores e comunicadores aos moldes do vitimismo identitário de carrascos que se travestem de pessoas justas. Estas moças foram desmascaradas por seus próprios comportamentos abusivos, mas, obviamente, estão perdoadas pela indústria ideológica que as gerou.
Esta narrativa identitária — que cria preconceitos onde não existe e promove preconceitos reais contra quem seria o opressor preferencial — agora se recupera, na mesma edição do “BBB”, por um chilique histérico de um rapaz que se sentiu ofendido por um comentário banal sobre seu cabelo. O problema é que não existiu racismo estrutural e não intencional da parte de Rodolffo. Não existiu racismo algum. Rodolffo, em momento algum, teve intenção de zombar da etnia de João. Não teve intenção de humilhar o João, muito menos de zombar de sua cor de pele. Não teve intenção de zombar de uma raça. Fez um gracejo, com um tipo de cabelo, que pode ser considerado mais ou menos esteticamente apetecível, de acordo com o gosto do observador. Respeitar a estética de alguém não quer dizer necessariamente gostar ou apreciar a estética de alguém. Isso não é racismo. Racismo é humilhar, agredir alguém por sua condição étnica. E, sim, racismo é somente isso. O resto é invencionice autoritária identitária de querer pregar preconceito onde não existe. Um comentário, um gracejo sobre um estereótipo físico, não é necessariamente um preconceito monstruoso ou mesmo um ato racista. Opressor é quem massacra, segrega e oprime deliberadamente alguém por sua etnia.
O símbolo do cabelo black power, mencionado por Leifert, nem sequer é conhecido por mais do que uma meia dúzia de estudiosos militantes aqui no Brasil. O black power, assim como o terrorismo identitário que cria preconceitos em termos, palavras e expressões que seriam inconscientemente racistas, é importado de uma cultura racialista identitária americana que cria uma divisão fictícia entre brancos e negros. E que, a grosso modo, nunca existiu no Brasil. Esta ultrassensibilidade também é importada dos EUA. Só o ofendido poderia, segunda esta ideologia, dar o veredito do crime de quem o ofendeu: todo julgamento por um suposto preconceito, portanto, estaria na sensibilidade e na palavra de quem se sente ofendido. Assim cessa toda hipótese de julgamento ou diálogo. João nem sequer quis ouvir a palavra de Rodolffo. Condenou-o visceralmente, sem chance de defesa. O potencial ofendido, que sempre pertence a grupos historicamente oprimidos (negros, gays, mulheres), poderá massacrar livremente aquele a quem acha que foi seu opressor. Isso é o vitimismo identitário atual, encampado pela grande mídia e intelectualidade brasileira.
Ora, imputar um falso crime é um crime. Em jornais, Rodolffo é colocado como racista por seu comentário em manchetes garrafais. Mas o identitarismo se banalizou de tal forma que chamar alguém de racista virou o novo normal. Virou o novo normal massacrar alguém por suposto preconceito e passar longe da culpa de quem exerceu preconceito real quando este é pertencente a um grupo preferencial de vitimas históricas. Por falsa atribuição de racismo baseada em comentário descritivo de um cabelo, um homem está sendo perseguido na Justiça; está sendo constrangido e massacrado como racista por jornalistas, formadores de opinião, artistas, apresentadores etc. A cultura do vitimismo identitário massacra inocentes por falso combate a preconceito. A ultrassensibilidade de ofensa subjetiva desmoraliza e traz uma pessoa às barras da Justiça por um crime inexistente. Esta ultrassensibilidade identitária se contrapõe ao perdão complacente e generoso. Esta é a equação do vitimismo identitário neste “BBB 21”, que apenas apela para a sinalização de virtude, sem combater nenhum preconceito real; que esmaga pessoas por uma falsa justiça; por um carrasquismo sedento de sangue e travestido de Justiça. Este tipo de coisa não só não melhora o combate ao racismo real como cria outros preconceitos reais.