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Lira usou na eleição picape que PF suspeita ter feito delivery de dinheiro desviado

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), usou na campanha eleitoral de 2022 uma picape Toyota Hilux preta que, em janeiro deste ano, foi monitorada e fotografada por agentes da Polícia Federal em uma entrega de dinheiro cuja origem seriam desvios em contratos para a compra de kits de robótica.

O veículo monitorado pela PF, de placa RGQ3B95, pertence formalmente ao policial civil e empresário Murilo Sergio Juca Nogueira Júnior, alvo de busca e apreensão na operação Hefesto na semana passada. Foi em um endereço ligado a ele que a PF encontrou na quinta (1) um cofre superlotado com ao menos R$ 4,4 milhões em dinheiro vivo.

A prestação de contas entregue por Lira à Justiça Eleitoral no ano passado informa que Murilo lhe emprestou de graça essa mesma Hilux para que ele usasse por dez dias em sua campanha, resultando em doação estimada em R$ 4.000 do policial para o presidente da Câmara.

A Polícia Federal cumpriu na semana passada mandados de prisão e de busca e apreensão contra aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em uma investigação sobre desvios em contratos para a compra de kits de robótica com dinheiro do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

O caso teve origem em reportagem da Folha publicada em abril do ano passado sobre as aquisições em municípios de Alagoas, todas assinadas com uma mesma empresa pertencente a aliados de Lira.

De acordo com a prestação de contas eleitoral do presidente da Câmara, que foi reeleito com a maior votação de seu estado, a cessão da Hilux foi formalizada em 16 de agosto por Murilo e a campanha de Lira.

“O presente instrumento tem como objeto a cessão do uso do bem móvel de marca Toyota, modelo Hilux caminhonete, placa RGQ3B95, cor preta, ano 2021, e será entregue ao cessionário [campanha de Lira] mediante a assinatura do presente contrato”, diz o texto, que acrescenta ainda que “a cessão dos bens está sendo realizada espontaneamente, a título totalmente gratuito”.

De acordo com a apuração da PF, o policial Murilo Sergio recebeu R$ 550 mil de Edmundo Catunda, sócio da Megalic, empresa de um aliado de Lira que venceu licitações para venda dos kits de robótica e está no centro das investigações. Uma empresa dele também recebeu valores direto da Megalic.

Procurado pela Folha, Lira não quis se pronunciar e não respondeu qual a sua ligação com Murilo Sergio.

Em entrevista à GloboNews, na quinta, o presidente da Câmara afirmou que não se sente atingido pela operação da PF, que não tem “absolutamente nada a ver com o que está acontecendo” e que cada um é “responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país”.

A Folha não conseguiu contato com os investigados pela PF.

O monitoramento feito pela PF em janeiro deste ano mostrou que a Hilux em nome de Murilo Sergio foi usada no final de janeiro em Maceió por um casal suspeito se ser responsável por operar um esquema de lavagem de dinheiro ligado ao caso do kit robótica.

Em Maceió, a PF monitorou e filmou o casal usando a mesma Hilux utilizada por Lira na campanha durante um saque e uma entrega em um prédio de escritórios na cidade.

Os agentes federais afirmam nas investigações terem descoberto também que, embora estivesse no nome de Murilo, o veículo era usado, na verdade, pela esposa de Luciano Cavalcante, um dos mais próximos auxiliares de Lira, atualmente lotado na liderança do PP na Câmara.

Um dos 26 mandados de busca e apreensão foi realizado em um endereço vinculado a Cavalcante, em Brasília. A esposa dele, Glaucia, também já assessorou Lira e é alvo da investigação. O casal que usava a Hilux foi preso pela Polícia Federal na semana passada.

A PF chegou a Cavalcante, principal auxiliar de Lira, e Glaucia, sua esposa, ao investigar movimentações financeiras da Megalic.

A partir da análise das transações, os investigadores afirmam ter descoberto que um casal de Brasília operava os desvios por meio de empresas de fachada, que atuavam como receptoras de valores repassados pela Megalic.

O casal foi monitorado pela PF, que descobriu uma intensa movimentação de saques em espécie em agências bancárias e posteriores entregas. A suspeita dos investigadores é que os valores tenham como destino agentes públicos.

Entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, a polícia acompanhou e filmou ao menos uma dezena de idas de ambos a agências bancárias e entregas de valores em Brasília, em cidades próximas e em Maceió, onde a Hilux foi utilizada.

Em um desses monitoramentos secretos na capital alagoana, em janeiro de 2023, a PF flagrou o veículo utilizado pelo casal para ir até as agências bancárias e depois usado para deslocamentos a possíveis locais de entrega de dinheiro.

Ao investigar o veículo, a PF descobriu que o carro era a Hilux do policial civil Murilo Sérgio.

Como mostrou a Folha à época, os kits foram contratados com recursos, em boa parte, das bilionárias emendas de relator do Orçamento —naquele momento, durante o governo Bolsonaro, Lira era responsável por controlar a distribuição de parte desse tipo de verba.

A Megalic não produz os kits, é apenas uma intermediária, embora tenha fechado contratos milionários. A empresa está em nome de Roberta Lins Costa Melo e Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PSD), políticos próximos a Lira.

De acordo com a nota da PF, a investigação identificou “que foram realizadas, pelos sócios da empresa fornecedora e por outros investigados, movimentações financeiras para pessoas físicas e jurídicas sem capacidade econômica e sem pertinência com o ramo de atividade de fornecimento de equipamentos de robótica, o que pode indicar a ocultação e dissimulação de bens, direitos e valores provenientes das atividades ilícitas”.

Segundo a PF, os crimes teriam sido cometidos entre 2019 em 2022 em contratos de 43 municípios alagoanos, o que pode ter gerado um prejuízo de R$ 8,1 milhões aos cofres públicos.

Como mostrou a Folha, o TCU já havia apontado fraude nos processos de compras dos kits de robótica no governo Bolsonaro e suspendeu os contratos.

A Megalic afirma haver “grave equívoco” nas suspeitas da PF e que todos os contratos se deram a partir de parâmetros técnicos do Ministério da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, com processo licitatório e ampla competitividade.

A nota diz que o Tribunal de Contas da União, em sua análise, não viu direcionamento nem preços incompatíveis.

Folha de São Paulo

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