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Disputa na Câmara aplica equação em que todos ganham, menos o orçamento público

A Câmara dos Deputados atingiu, neste ano, um nível de hostilidade entre os parlamentares que há muito não se via. A convivência entre os extremos ganhou ares de ringue, e as discussões cotidianas descambaram para confrontos físicos, resultando em situações abso­lu­ta­men­te lamentáveis. Observado esse cenário belicoso, uma unanimidade sobre qualquer tema parecia improvável. Nas últimas semanas, porém, os parlamentares protagonizaram uma raríssima convergência. Após a confirmação da candidatura de Hugo Motta (Republicanos-­PB) à presidência da Casa, partidos da direita à esquerda se alinharam em apoio ao congressista — incluídos o PT, do presidente Lula, e o PL, do ex-­pre­si­den­te Jair Bolsonaro. O caminho do entendimento vem sendo celebrado como uma demonstração de civilidade política, um movimento sincronizado na direção de uma governança equilibrada em que, aparentemente, todos só têm a ganhar.

Conhecido pelo seu perfil moderado e pelo bom trânsito entre os diversos espectros da política, Hugo Motta tem exaltado a necessidade de uma união de forças diante da “radicalização tóxica” que toma conta do Congresso. “O Parlamento precisa cumprir o papel de ser a solução, e não a casa dos problemas”, afirmou o deputado, após receber o apoio do PSB, partido do vice-­presidente Geraldo Alckmin. Os socialistas, que têm uma bancada de apenas catorze deputados, esperam, em contrapartida, garantir um espaço privilegiado na Mesa Diretora. Motta também já alinhou os ponteiros com Lula. Nas conversas que teve com o presidente, ele se comprometeu a não causar turbulência e a manter o compromisso com a agenda fiscal, barrando o avanço de qualquer pauta que possa provocar algum tipo de instabilidade ao governo. Lula, um político calejado, sabe que promessas assim são circunstanciais, mas gostou do que ouviu.

A eleição será em fevereiro do ano que vem. Hugo Motta precisa conquistar até lá o voto de no mínimo 257 dos 513 deputados federais. Como a discussão de propostas não é o foco, a campanha se dá no varejo das promessas que atendem a interesses pessoais e partidários e envolvem vários tipos de moedas. Em troca do apoio de seus 68 parlamentares, o PT, por exemplo, reivindicou uma cadeira no Tribunal de Contas da União. Parece pouca coisa, mas não é. A Corte tem o poder de paralisar uma obra importante, inviabilizar projetos e criar constrangimentos ao presidente da República. Como caberá à Câmara a indicação do próximo ministro de Contas, o acordo foi sacramentado. Já o PL de Bolsonaro, que tem 93 deputados, exigiu o compromisso de dar andamento ao projeto que anistia os condenados pelos ataques no 8 de Janeiro. O candidato não só concordou em abrir o debate como disse que não se pode permitir “injustiças” — posição dada antes dos ataques da última semana, que, sem dúvidas, vão dificultar o avanço de qualquer alívio a extremistas.

A disputa pelo comando da Câmara envolve cargos e verbas — muitas verbas. O União Brasil, dono da terceira maior bancada, tinha o seu próprio candidato, o deputado Elmar Nascimento (BA), mas negociou a saída da disputa caso Motta garantisse a indicação de um representante do partido para alguma comissão poderosa, como a do Orçamento, responsável, entre outras coisas, por garantir os recursos para obras e emendas parlamentares. Comenta-se nos bastidores que nesse mesmo pacote de bondades certos partidos que asseguraram apoio ao republicano receberam a promessa de um “bônus” em emendas no valor de 10 milhões de reais. Hoje, os parlamentares já dispõem de 50 bilhões de reais para enviar às suas bases eleitorais — uma bolada que tem gerado questionamentos do Executivo e do Judiciário. Num compromisso que agrada a todos, Motta garantiu que irá rechaçar qualquer tentativa de reduzir esses recursos. O estoque de acertos em busca de um consenso transcende o Legislativo. O provável futuro presidente da Câmara admitiu recentemente a aliados a dificuldade em acomodar todos os pedidos, especialmente porque alguns também dependem do governo federal. O desistente Elmar Nascimento, por exemplo, pode ser agraciado com um ministério, assim como o PSD do deputado Antonio Brito, candidato que também se retirou da disputa após um acordo com Hugo Motta. A VEJA, um auxiliar de Lula admitiu que mudanças devem mesmo ocorrer e apontou as pastas que podem entrar na negociação: Minas e Energia, Integração Regional, Saúde e Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Essa cota inclui espaço para abrigar até mesmo o deputado Arthur Lira, o atual presidente da Casa, que resiste a aderir formalmente ao governo, mas, ao mesmo tempo, nunca afastou completamente essa possibilidade. Lira teme ser alvo de perseguição por parte de adversários depois de deixar o cargo. Motta, evidentemente, garantiu ao padrinho que ele não ficará na chuva — com ou sem a proteção de um ministério.

Dos vinte partidos representados na Câmara, dezessete já aderiram à candidatura do deputado republicano. Pedidos e promessas de vantagens viabilizaram essa fórmula mágica em que todos aparentemente saem ganhando alguma coisa: ganham os deputados (verbas e cargos), os partidos (influência e poder), o governo (um Congresso sem hostilidade), a oposição (impulso a projetos polêmicos) e o deputado Hugo Motta (que será eleito presidente da Câmara sem nenhuma dificuldade). Há uma variável importante que não aparece nesta equação. Como mágica não funciona na política, a única certeza é a de que alguém vai sair perdendo. O contribuinte, como sempre, é o primeiro candidato.

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